Decifrar o universo do texto do Miguel não é tarefa simples, é um árduo trabalho, transformá-lo em ações é desafio ainda maior, pois ele insere no texto um universo de possibilidades preenchidos com muitas sutilezas no campo da subjetividade, tanto nos romances quanto nos textos teatrais. Sendo assim Ambivalência não é uma exceção e sim uma regra dentro desse contexto.
No inicio da montagem da peça tínhamos em mãos o texto e vários enigmas: quem são verdadeiramente Cristal e Horácio? O que a relação marido e mulher na peça sugere? Qual o papel da sexualidade ou do sexismo na peça? Qual a função dos duplos Ângela e Paulo no contexto do texto? E qual a relação entre o estupro, o prazer, o sagrado e o profano no texto?. Essas foram algumas perguntas iniciais que surgiram diante da primeira leitura do texto. ,
Com o aparecimento das perguntas restaram muitas dúvidas que ainda persistem, e que acredito não serão solucionadas ou respondidas, afinal o teatro e a literatura vivem necessariamente de angústias sem respostas ou afagos. Nesse sentido Ambivalência pertence a esse universo de angústias, medos, frustrações, mistérios que envolvem os seres humanos na sociedade. Temos em Ambivalência vários recortes sociais que colocam em discussão sem tomar partido algumas questões humanas entre elas o sexo, o casamento, o prazer, o medo da solidão, a ambição, a fragilidade dos sentimentos, o estupro, o ser social versus o ser individuo, a sociedade com seus mitos e tabus entre outros assuntos.
Cristal e Horácio protagonistas da peça se encontram depois de dez anos separados. O diálogo entre eles segue uma perspectiva do pensamento oscilando entre o objetivo e o subjetivo, as frases seguem o fluxo das memórias e flashes que denunciam cenas envoltos em rancores, mágoas, prazeres, dores, solidão e principalmente medo. O medo dentro do texto leva ao medo do conhecimento, ou melhor do auto-conhecimento de si próprio. Os duplos psicológicos de Cristal e Horácio respectivamente Ângela e Paulo denunciam esses medos com suas pavorosas máscaras, suas vozes atrevidas, seus gestos vulgares e fora dos padrões sociais . A medida que Cristal e Horácio conversam o expectador é convidado a penetrar o universo psicológico e social dos dois envolvidos pelo laço matrimonial e pela revelação de um estupro.
Pensando nessas imagens que surgiram durante o processo de leitura e discussão do texto ao longo dos encontros realizados no primeiro semestre de 2011, tomamos como desafio a montagem de cenas que pudessem sintetizar e problematizar tais imagens e temas. Partimos para o campo da preparação vocal e corporal, focando durante o processo de preparação ainda em construção de imagens corporais e vozes que pudessem transmitir tais ideias, de forma que o expectador possa também criar suas imagens. Pensamos pois em algumas sutilezas que pudessem permitir a ruptura com as imagens que apareceram de forma que a construção das cenas não abordassem necessariamente ás imagens captadas pelos atores/diretor durante o processo de leitura e discussão da peça, mas que possibilitassem a reconstrução ou incorporação de imagens contrárias as mencionadas ou focadas pelos sujeitos envolvidos no processo de montagem do espetáculo.
Silas Santana
Goiânia,Goiás, Brasil 12 de julho de 2011
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